O alimento e o trabalho<br> como armas de repressão

Jorge Messias

«O Va­ti­cano com as suas prin­ci­pais su­cur­sais em cada país é, na ac­tu­a­li­dade, um dos pi­lares mais in­flu­entes do ca­pi­ta­lismo fi­nan­ceiro in­ter­na­ci­onal, em per­feita par­ceria e união com a Wall Street e com a Citty lon­drina. O Banco Cen­tral Eu­ropeu tem como seus ac­ci­o­nistas al­guns dos prin­ci­pais bancos li­gados ao IOR, ou seja, ao prin­cipal banco da Santa Sé»... A tre­menda crise do Va­ti­cano ex­prime-se na in­ca­pa­ci­dade do grupo de ultra-di­reita do­mi­nante es­tru­turar – tal como acon­tece com o ca­pi­ta­lismo mun­dial – uma po­lí­tica nova...» (Va­ti­leaks, Pagu, 22.3.2013).

«As ONG foram cri­adas pela ONU, nos anos 40, para de­sig­narem en­ti­dades não ofi­ciais que re­cebem ajuda fi­nan­ceira de ór­gãos pú­blicos para es­ta­be­le­cerem pro­jectos de in­te­resse so­cial, no âm­bito de uma fi­lo­sofia de tra­balho de­no­mi­nada de­sen­vol­vi­mento da co­mu­ni­dade... Hoje, as ONG de­sem­pe­nham fun­ções es­tra­té­gicas do ponto de vista das prá­ticas de­sen­vol­vidas pelo poder e pela ide­o­logia do­mi­nantes...». (Gra­ziela Mar­tins Nunes, IV Jor­nada In­ter­na­ci­onal de Po­lí­ticas Pú­blicas).

«O Brasil deve in­vestir na agri­cul­tura de sub­sis­tência e nos pe­quenos agri­cul­tores. A agri­cul­tura mais efi­ci­ente é a agri­cul­tura de base. Mesmo a FAO e a ONU re­co­nhecem que a agri­cul­tura fa­mi­liar é a mais eficaz no com­bate à fome... No mundo, em cada cinco se­gundos uma pessoa morre de fome. Ou seja, é as­sas­si­nada. A Re­forma Agrária foi posta à margem e a partir de agora o as­sis­ten­ci­a­lismo não dará qual­quer re­sul­tado. No seu es­tado ac­tual, a agri­cul­tura mun­dial po­deria ali­mentar 12 bi­liões de seres hu­manos» (Jean Zi­e­gler, so­ció­logo suíço, “Des­truição em Massa, Ge­o­po­lí­tica da Fome”).

As grandes re­li­giões or­ga­ni­zadas não podem fugir às res­pon­sa­bi­li­dades po­lí­ticas, eco­nó­micas e so­ciais, ainda que in­vo­quem uma even­tual na­tu­reza es­pi­ri­tual. Nunca lhes de­veria, em qual­quer caso, ser per­mi­tido fazê-lo para jus­ti­fi­carem crimes so­ciais, so­bre­tudo quando estes ar­ras­tarem lu­cros ina­cei­tá­veis para as igrejas re­pre­sen­ta­tivas dessas re­li­giões. As prin­ci­pais con­fis­sões in­vocam, in­va­ri­a­vel­mente, serem sedes su­premas de jus­tiça e de ética. Mas cons­ti­tuem nú­cleos em de­sen­vol­vi­mento de hol­dings co­mer­ciais de ex­plo­ra­dores com­pro­me­tidos na go­ver­nação.

É evi­dente que para se para se afirmar e pro­gredir, qual­quer re­li­gião do­mi­nante tem de dispor de po­deres com­pa­tí­veis com as suas am­bi­ções po­lí­ticas e fi­nan­ceiras. Ca­tó­lica ou não, qual­quer grande dou­trina or­ga­ni­zada visa do­minar o poder eco­nó­mico e dis­ci­plinar a vida po­lí­tica, re­li­giosa ou laica. Toda a re­sis­tência que se oponha a esta am­bição in­su­pe­rável par­ti­cipa na luta mun­dial de classes, em fase de grande ace­le­ração mas que o Va­ti­cano, es­tra­te­gi­ca­mente, finge ig­norar. Tal como o agro­ne­gócio, (parte es­sen­cial de uma Nova Ordem Mun­dial fas­cista) pode exem­pli­ficar.

A Nova Ordem visa re­ta­lhar o mundo, acor­ren­tando as na­ções fracas aos países fortes, de­bi­li­tando e des­truindo na­ci­o­na­li­dades e es­tados so­be­ranos, re­du­zindo as classes so­ciais à dos que pos­suem e à dos que são pos­suídos, ex­tin­guindo o fi­gu­rino do tra­balho com ga­ran­tias e cor­tando sa­lá­rios até con­se­guir que todo o es­forço la­boral as­sa­la­riado seja gra­tuito, como no velho es­cla­va­gismo, apenas pago com um mí­nimo que per­mita so­bre­viver. A massa es­crava assim cons­ti­tuída é então co­lo­cada à dis­po­sição dos mi­li­o­ná­rios e das suas ins­ti­tui­ções, no­me­a­da­mente das suas redes ban­cá­rias e de hi­per­mer­cados e dos seus offshores. Dizia Henry Kis­singer, ca­tó­lico con­victo, ca­pi­ta­lista norte-ame­ri­cano, grande vulto da guerra fria: «Quem do­mina a co­mida do­mina as pes­soas...».

O agro­ne­gócio bra­si­leiro, nas suas contas de 2013, pro­duziu re­sul­tados con­tra­di­tó­rios: en­ri­queceu os ricos e em­po­breceu os po­bres; agravou a re­cessão e o de­sem­prego; es­cavou o fosso entre o campo e a ci­dade; fra­gi­lizou o mer­cado in­terno e fez crescer o nú­mero de novas for­tunas. Mas adiou a ban­car­rota do ca­pital es­pe­cu­la­tivo. O cré­dito ban­cário ra­reou e en­ca­receu (só os bancos pri­vados co­braram, num ano, 280 bi­liões de reais em juros). Tudo a lem­brar o que em Por­tugal acon­teceu e con­tinua a acon­tecer.

Agora, a maior es­pe­rança de so­bre­vi­vência dos grandes agi­otas re­pousa na es­pe­rança da im­plan­tação si­mul­tânea do agro­ne­gócio nos mer­cados eu­ro­peus e sul-ame­ri­canos, de forma a am­parar os ricos à custa dos mais po­bres.

Nada disto será viável sem a pre­sença da Igreja. E para esta é ur­gente traçar de si pró­pria um novo fi­gu­rino so­cial. O Va­ti­cano tem de ficar li­gado ao lucro mas con­denar em alta voz o ca­pi­ta­lismo de ex­clusão so­cial.

Com um Papa sur­presa em pri­meiro plano, como é na­tural!




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